Neste âmbito, salientam-se os estudos de
Piaget, que desenvolveu um modelo teórico explicativo do desenvolvimento moral
baseado no respeito e compreensão das regras, e, posteriormente, a teoria de
Kohlberg que, apesar de ser alvo de críticas, constitui um dos contributos mais
válidos e completos no que concerne a esta temática.
A teoria de Piaget
Jean Piaget |
Na prática educacional, os profissionais perguntam-se frequentemente
como é que as crianças lidam com as regras (de jogo ou sociais), bem como sobre
o que se pode esperar de cada idade do desenvolvimento humano, no que diz
respeito às relações da criança com os aspetos da justiça e da moral.
As investigações de Piaget permitiram-lhe
concluir que existem diferenças quanto ao respeito às regras em crianças de
idades diferentes, distinguindo-se as fases de heteronomia e autonomia moral.
i.
Heteronomia moral (dos 4/5anos até 8/ 9 anos)
O sujeito (usualmente a criança) submete-se a regras que são ditadas do
exterior e que são “sagradas”. As regras têm origem numa autoridade superior
(por exemplo, adultos, Deus, Câmara Municipal) e não podem ser alteradas.
Nesta fase, a criança percebe as regras como absolutas, imutáveis,
intangíveis. A moralidade é determinada pelas consequências materiais,
independentemente das intenções do sujeito. Assim, a criança julga a ação como
boa ou má com base nas consequências dos atos, sem uma análise mais ampla e sem
considerar as intenções do autor da ação.
O não respeito pelas regras deve levar a sanções.
Piaget percebeu que a criança pequena tem dificuldades para levar em
conta as circunstâncias atenuantes enquanto um adolescente já faz julgamentos
com base na equidade, sendo capaz de pensar em termos de possibilidades e de um
número maior de alternativas.
ii.
Autonomia moral (dos 8/9anos em diante)
É a moral da cooperação e da reciprocidade.
Nesta fase, o sujeito constrói as suas regras morais que interioriza e
cuja necessidade compreende. A criança percebe as regras como estabelecidas e
mantidas pelo consenso social. Piaget constatou que, por volta de 10 anos, a
criança passa a perceber a regra como o resultado de livre decisão, podendo ser
modificada, e como digna de respeito, desde que mutuamente consentido.
A
teoria de Kohlberg
Lawrence Kohlberg |
Kohlberg propôs uma teoria segundo a qual o desenvolvimento moral se
processa a partir de uma sequência invariante de três níveis de raciocínio
moral, cada um deles subdividido em dois estádios, perfazendo um total de seis
estádios. Saliente-se que cada nível ou estádio representa uma forma de
raciocínio moral, mais do que uma decisão moral concreta.
NÍVEL
1: MORALIDADE PRÉ-CONVENCIONAL
(crianças do 1º ciclo EB, ou seja, crianças até aos 9 anos, bem como alguns
adolescentes e grande número de delinquentes)
Neste nível, o indivíduo raciocina em
relação a si mesmo e ainda não compreendeu ou integrou totalmente as regras e
expectativas sociais.
A moralidade (as regras e normas sociais) é completamente externa ao
sujeito – a criança conforma-se às regras impostas pelas figuras de autoridade
para evitar a punição ou para obter recompensas pessoais.
Estádio 1: Orientação para a punição e
obediência
Para o estádio 1, o certo é a obediência
cega às regras e à autoridade, de forma a evitar a punição. O que está certo é
evitar a violação das regras e evitar danos físicos aos outros e à propriedade.
As razões para fazer o que está certo são evitar a punição e os castigos.
Estádio 2: Individualismo e troca
instrumental
Para o estádio 2, o certo é a satisfação das
nossas necessidades e interesses. O que está certo é seguir as regras quando
elas nos servem e deixar os outros fazerem o mesmo. Neste estádio, a criança
reconhece que os outros também têm interesses. A criança, neste estádio, assume
uma perspetiva concreta individualista. Separa os seus interesses dos
interesses dos outros.
NÍVEL 2: MORALIDADE CONVENCIONAL (da adolescência em diante [a maior
parte dos adolescentes e adultos]; a maior parte das pessoas fica aqui, não avança
mais)
Já há interiorização e adoção das regras morais. A moralidade é definida
por atos que são bons porque mantêm a ordem social convencional. O sujeito
concebe as exigências da família, da escola, do grupo social como constituindo
valores em si mesmos, independentemente das consequências. Identifica-se com as
pessoas ou grupos que garantem as normas e esforça-se por obedecer às regras
estabelecidas por outros, de forma a obter louvor e reconhecimento pelo seu
comportamento correto e para manter a ordem social.
Estádio 3: Expectativas interpessoais
mútuas, relacionamento e conformidade interpessoal
Para o estádio 3, o certo é ser simpático,
leal e digno de confiança. O que está certo é viver de acordo com aquilo que os
outros esperam de nós e fazer aquilo que os outros esperam que nós façamos.
Este estádio tem em conta tanto a perspetiva do indivíduo como a perspetiva dos
outros.
Estádio 4: Sistema e consciência
social, manutenção da lei e da ordem
Para o estádio 4, o certo é cumprir o dever
para com a sociedade, manter a ordem social e velar pelo bem-estar de todos. A
razão para fazer o que está certo é ajudar a manter a ordem social e o bom
funcionamento das instituições. Este estádio distingue os pontos de vista da
sociedade dos pontos de vista dos grupos e dos indivíduos.
NÍVEL
3: MORALIDADE PÓS-CONVENCIONAL
(só alguns adultos, a minoria dos adultos)
A este nível o indivíduo está comprometido
com um conjunto de princípios morais complexos e abrangentes, e que são muitas
vezes partilhados com outros, ou seja, consideram-se sempre diversos pontos de
vista e cada situação é pensada de modo a extrair-se princípios gerais.
De facto, os princípios morais podem
transcender figuras de autoridade ou até as normas ou valores de uma sociedade
particular. Um indivíduo situado neste nível compreende e aceita as regras da
sociedade na sua globalidade, mas apenas porque primeiramente aceita
determinados princípios morais gerais que lhe estão subjacentes.
Estádio 5: Contrato social ou direitos
individuais democraticamente aceites (ex.: Constituição dos EUA)
Para o estádio 5, a escolha moral é baseada
nos direitos básicos, nos contratos legais e nos valores morais, mesmo quando
há conflito com as leis ou as regras do grupo. O que está certo é ter
consciência que as pessoas nem sempre partilham os mesmos valores e que, por
vezes, as leis e as regras do grupo são injustas e não merecem, portanto, ser
obedecidas. A razão para fazer o que está certo reside na necessidade de
respeitar os contratos e os direitos dos outros. Neste estádio, a pessoa toma
decisões na base do maior bem para o maior número.
Estádio 6: Princípios éticos
universais (não necessariamente escritos)
Para o estádio 6, o certo é o que obedece
aos princípios éticos universais. As leis ou os contratos e acordos sociais são
válidos sempre que respeitam esses princípios. A razão para fazer o que está
certo é que a pessoa reconhece a validade dos princípios e procura cumpri-los.
Nível
|
Estádio
|
Caracterização da orientação social
|
|
Pré-convencional
(baseado em punições e recompensas)
|
1
|
Obediência e punição
(obediência a regras para evitar a
punição)
|
• Ponto de vista egocêntrico. •“Não-eu”: não distingue entre o
seu eu e o ambiente. •Não reconhece que os outros tenham interesses próprios.
|
2
|
Individualismo, instrumentalismo e
troca (Obediência a certas recompensas para os favores serem devolvidos)
|
• “Eu”: as minhas necessidades, o meu ego. •Satisfazemos as
nossas necessidades. •Os outros que façam o mesmo. •Distingue os seus
interesses dos outros.
|
|
Convencional (baseado na conformidade social)
|
3
|
Moralidade do “bom rapaz / linda
menina”
(conformidade para evitar desaprovação
ou não gosto por parte das outras pessoas)
|
• Orientação para a integração e para agradar aos outros. •Conformidade
com os estereótipos sociais.
|
4
|
Lei e ordem – moralidade da manutenção
da autoridade
(conformidade para evitar censura por
autoridades legítimas, com a culpa resultante)
|
• Orientação para o respeito da ordem e da autoridade e para o
que a sociedade espera de nós.
|
|
Pós-convencional
(baseado em princípios morais)
|
5
|
Contrato social - moralidade de
contrato, direitos individuais e lei aceite democraticamente
(respeitar leis da terra ou bem-estar
comunitário)
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• Compreensão da reciprocidade. •Respeito pelos contratos entre
pessoas e entre instituições. •Interesse genuíno pelo bem estar dos outros e
pelo bem coletivo. •Consciência do maior bem para o maior número (coletividade,
democracia).
|
6
|
Consciência de princípios - moralidade
dos princípios individuais da consciência (respeitar princípios éticos
universais)
|
• Princípios éticos eternos e universais. •Justiça, dignidade
humana. •Os princípios universais estão acima da lei.
|
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